Já parou para pensar em como nosso comportamento é moldado ao longo da vida? Desde coisas simples, como aprender a apertar um interruptor para acender a luz, até hábitos mais complexos, como a necessidade de checar o celular a cada cinco minutos, tudo é resultado de um processo de aprendizagem. A ciência do comportamento, nos ajuda a entender como aprendemos, mantemos e, muitas vezes, desaprendemos essas ações. Imagine, que você tem o hábito de dar um biscoito para seu cachorro sempre que ele late. Um belo dia, você decide que não quer mais esse comportamento e para de oferecer o biscoito. Inicialmente, ele pode latir mais, tentando obter a recompensa e sua atenção. Mas, com o tempo, ele percebe que não vai ganhar nada e para de latir. Isso é o que chamamos de "extinção" no comportamento: a diminuição de uma resposta previamente reforçada quando o reforço (o biscoito, no caso) é retirado.
Agora, falando de maneira mais técnica, a extinção é um processo fundamental dentro da ciência do comportamento. Ela ocorre quando uma resposta, previamente reforçada, deixa de ser recompensada, levando à diminuição ou até à eliminação dessa resposta. Existem alguns princípios básicos da extinção que ajudam a entender esse processo. Primeiro, é importante perceber que a extinção não é o mesmo que "apagar" o aprendizado. Embora o comportamento possa diminuir ou desaparecer, a memória original ainda está lá, guardada em algum lugar do cérebro. Isso explica, por que alguns comportamentos podem retornar após um tempo de esquecimento ou mudança de contexto.
Um dos fenômenos mais curiosos é a "recuperação espontânea", que é quando um comportamento extinto reaparece após algum tempo, mesmo sem reforço. Outro fenômeno é a "renovação", que acontece quando um comportamento retorna ao ser testado em um contexto diferente do ambiente de extinção. Há também a "reinstalação", que ocorre quando o reforço original é reintroduzido após a extinção, fazendo o comportamento retornar rapidamente.
Então, o que acontece dentro do nosso cérebro e do nosso comportamento durante a extinção? Em alguns estudos é mostrado que há mecanismos comportamentais e neurobiológicos trabalhando em conjunto. Quando um comportamento é extinto, não é que o cérebro "apaga" a memória original. Em vez disso, ele cria novas memórias que competem com as antigas. É como se ele estivesse aprendendo algo novo: "Ok, antes eu fazia isso e funcionava, mas agora não funciona mais". A extinção envolve áreas específicas do cérebro, como o córtex pré-frontal, a amígdala e o hipocampo, responsáveis por regular emoções, memória e tomada de decisões.
Agora, a influência do contexto na extinção é outra peça fundamental desse quebra-cabeça. O contexto — seja o ambiente físico ou o estado emocional — desempenha um papel fundamental em como e quando a extinção ocorre. O contexto é tudo que possa influenciar. Imagine que você está tentando parar de fumar. Em casa, longe de qualquer gatilho, pode ser mais fácil resistir ao desejo. Mas, ao voltar ao ambiente do trabalho, onde você costumava fumar durante as pausas, o desejo pode retornar com força total. Isso porque o contexto original reforça a memória do comportamento, dificultando sua extinção.
Essa influência do contexto se torna ainda mais interessante quando entendemos que ele pode servir como um “definidor” da extinção. Quando o comportamento é extinto em um contexto, ele pode retornar quando testado em um novo contexto. Essa "renovação" do comportamento sugere que o contexto original da extinção mantém um controle significativo sobre o comportamento, funcionando quase como um "freio" que é liberado quando o contexto muda. A compreensão desses mecanismos é essencial para intervenções comportamentais, especialmente em tratamentos de fobias, vícios e outros comportamentos indesejáveis.
Mas e as diferenças entre a extinção Pavloviana e a instrumental? A extinção Pavloviana ocorre quando um estímulo condicionado, como um som ou uma luz, é repetidamente apresentado sem o reforço que o acompanha. Por outro lado, a extinção instrumental se refere ao declínio de comportamentos voluntários quando o reforço é retirado. Apesar de compartilharem alguns princípios comuns, como a dependência do contexto e a vulnerabilidade à recuperação espontânea, a extinção instrumental envolve uma dimensão adicional de escolha e controle, já que depende da ação voluntária do indivíduo.
Falando em extinção de comportamentos instrumentais, é importante ressaltar que esses comportamentos são particularmente relevantes em nosso dia a dia. Desde ações simples, como desligar o alarme de manhã, até comportamentos mais complexos, como dirigir um carro ou usar um computador, todos são exemplos de ações aprendidas que podem passar por processos de extinção. No caso da extinção instrumental, a perda de um reforço leva a uma diminuição da resposta, mas essa extinção pode ser rapidamente revertida se o reforço for reintroduzido, um fenômeno conhecido como reaquisição.
E aqui chegamos aos fenômenos de recuperação de comportamento extinto. Como mencionei antes, o comportamento extinto pode retornar sob certas circunstâncias. Seja por meio da recuperação espontânea, da reinstalação ou da renovação, esses fenômenos mostram que o comportamento nunca é realmente "apagado". Ele pode estar adormecido, aguardando as condições certas para retornar. Isso explica, por exemplo, porque recaídas são tão comuns em tratamentos de vícios. A extinção cria uma nova aprendizagem que inibe o comportamento antigo, mas não o substitui completamente.
Quando falamos de extinção e recaída em comportamentos reforçados por drogas, o contexto se torna ainda mais complexo. A autoadministração de drogas é um comportamento complexo que envolve múltiplos processos de aprendizagem e reforço. Em alguns estudos é mostrado que a extinção de comportamentos de busca por drogas é altamente dependente do contexto e a recaída pode ser provocada por mudanças no ambiente ou pelo reaparecimento de estímulos associados ao uso de drogas. Assim, estratégias terapêuticas que consideram esses fatores contextuais têm se mostrado mais eficazes em prevenir recaídas.
Em resumo, a extinção de comportamentos é um processo complexo, influenciado por múltiplos fatores, desde os princípios básicos da aprendizagem até os mecanismos neurobiológicos e contextuais. Afinal, o comportamento humano é tão dinâmico quanto as situações que encontramos todos os dias.
Referências:
Mecanismos comportamentais e neurobiológicos de aprendizagem de extinção pavloviana instrumental: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32970967/
A neurobiologia comportamental da aprendizagem e da memória: uma reorientação conceitual: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7820133/
Contexto, ambiguidade e desaprendizagem: fontes de recaída após extinção comportamental: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12437938/
Uma teoria do condicionamento pavloviano: a eficácia do reforço e do não reforço: https://www.researchgate.net/publication/239030972_A_theory_of_Pavlovian_conditioning_The_effectiveness_of_reinforcement_and_non-reinforcement
Análise comportamental e neural da extinção: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12441048/
Contexto, tempo e recuperação de memória nos paradigmas de interferência da aprendizagem pavloviana.: https://psycnet.apa.org/record/1993-40154-001
Mecanismos de ressurgimento de um comportamento instrumental extinto: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20658865/
Reforço do comportamento competitivo durante a extinção: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/5450360/
Recuperação espontânea: https://en.wikipedia.org/wiki/Spontaneous_recovery