Uma das consequências mais marcantes da resposta da sociedade à COVID-19 foi a comprovação de que nossa necessidade de interações sociais é tão fundamental quanto a de uma boa alimentação e sono. A pandemia trouxe algumas questões de o quanto precisamos estar perto das pessoas, mesmo que só percebemos isso quando esse contato é tirado.
O distanciamento físico, as quarentenas e os lockdowns aumentaram bastante os casos de depressão, tanto em adultos quanto em adolescentes. Em alguns estudos sobre a importância de interações sociais anteriores já mostravam que pessoas que passam por isolamento social prolongado, como órfãos e idosos que vivem sozinhos, correm um risco maior de desenvolver depressão e problemas para dormir. A pandemia só nos mostrou e relembrou essa ideia, tornando mais evidente o impacto negativo do isolamento em nossa saúde mental.
Se olharmos para o reino animal, vemos algo semelhante. Macacos criados em isolamento parcial ou total desde o nascimento, mostraram comportamentos hostis e dificuldades em formar laços sociais adequados na adolescência ou na fase adulta. E o grau de dano social era diretamente proporcional ao tempo ficado isolados. Em estudos de neuroimagem feitos tanto em humanos quanto em macacos, revelaram alterações estruturais em áreas críticas do cérebro, como o córtex pré-frontal e a amígdala, essenciais para interações sociais normais e controle das emoções. Em menor grau, também foram observadas mudanças no hipocampo. A amígdala, em particular, apresentou um aumento de volume em resposta ao isolamento social, o que pode explicar muitos dos problemas emocionais profundos que surgiram.
As mudanças celulares foram observadas, como alterações significativas no desenvolvimento dos oligodendrócitos, responsáveis pela formação da mielina, o que chamamos de substância branca. A mielina é muito importante para a comunicação entre os neurônios no cérebro. Os estudos também apontaram anormalidades nessas partes, como a redução do volume total de substância cinzenta e branca no córtex pré-frontal e no hipocampo. A perda de substância branca explica provavelmente os padrões anormais de atividade cerebral observados em crianças que cresceram em isolamento social, conforme relatado por análises de eletroencefalografia.
Essas mudanças na atividade neural refletem um atraso significativo na maturação do córtex cerebral. Crianças que passaram por isolamento social precoce, como em orfanatos, mostraram uma integridade reduzida da substância branca, especialmente nas vias neurais que conectam os lobos frontal e temporal, onde o pensamento e as memórias são processados. As mudanças na conectividade entre regiões do cérebro estavam associadas a um aumento nos problemas comportamentais. Um exemplo específico é a perda de conexão entre o córtex pré-frontal e a amígdala, áreas críticas para a regulação das emoções e aprendizado do medo, sendo apontada como a principal responsável pelos comportamentos imaturos e problemas sociais que persistem após um longo período de isolamento.
Já nos adultos, após o isolamento social, os sistemas neurais de dopamina se tornaram seletivamente ativados ao ver imagens de atividades sociais, algo parecido com o que acontece quando vemos comida depois de um jejum prolongado. Um estudo recente mostrou que a redução das interações sociais durante a pandemia resultou em aumento de volume na amígdala, putâmen e córtex temporal anterior em ambos os hemisférios do cérebro.
O mais interessante é que as mudanças na amígdala começaram a diminuir com o passar do tempo, após o fim dos lockdowns. Isso sugere que, pelo menos nos adultos, as alterações cerebrais causadas pelo isolamento social prolongado devido à pandemia são reversíveis. Essa é uma boa notícia e um lembrete de que, apesar dos impactos negativos, o nosso cérebro tem uma incrível capacidade de se adaptar e se recuperar.
Referências
Pandemia de COVID-19 desencadeia aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão em todo o mundo: https://www.paho.org/pt/noticias/2-3-2022-pandemia-covid-19-desencadeia-aumento-25-na-prevalencia-ansiedade-e-depressao-em
Isolamento social e o cérebro: efeitos e mecanismos: https://www.nature.com/articles/s41380-022-01835-w
Neurociência Afetiva da Solidão: Mecanismos Potenciais Subjacentes à Associação entre Isolamento Social Percebido, Saúde e Bem-Estar: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9910279/