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Uma das coisas mais fascinantes no ser humano é a linguagem e seu desenvolvimento. Quando falamos uma língua, concordamos que as palavras são representações de ideias, lugares, objetos e eventos. A língua que as crianças aprendem está conectada à sua cultura e ao seu ambiente. Mas será que as palavras em si podem moldar a maneira como pensamos sobre as coisas? Psicólogos têm investigado há muito tempo se a linguagem molda os pensamentos e ações ou se nossos pensamentos e crenças moldam nossa linguagem. Dentre os mais influentes, destacam-se Lev Vygotsky, Alexei Leontiev e Alexander Luria, cujas contribuições formam a base de uma compreensão histórico-cultural desses processos. Vamos abordar um pouco sobre eles neste artigo.
O desenvolvimento
Lev Vygotsky é reconhecido por sua teoria sócio-histórica, que enfatiza a importância do contexto social e cultural no desenvolvimento cognitivo. Segundo ele, o pensamento e a linguagem são inicialmente independentes e gradualmente se fundem através das interações sociais. A linguagem é um instrumento fundamental de mediação que permite a internalização de processos culturais, facilitando o desenvolvimento do pensamento abstrato e do conhecimento. Quando a criança cresce a linguagem é relacionada aos pensamentos. Vygotsky introduziu o conceito de "Zona de Desenvolvimento Proximal" (ZDP), que descreve a diferença entre o que uma criança pode fazer sozinha e o que pode fazer com a ajuda de um adulto ou de pares mais capazes. A ZDP demonstra como a interação social e a linguagem mediada são cruciais para o desenvolvimento cognitivo, permitindo que as crianças alcancem níveis mais elevados de pensamento e conhecimento.
O desenvolvimento dos estudos da linguagem e pensamento foi continuado pelo seu discípulo Alexei Leontiev com sua teoria de atividade. Leontiev argumentou que a atividade humana é a unidade básica da vida psicológica, na qual a linguagem e o pensamento são moldados através da prática social e cultural. Quanto mais indivíduos têm uma prática social ou interrelações sociais, mais existe desenvolvimento da linguagem. Ele enfatizou a importância da motivação e das necessidades individuais, sugerindo que o desenvolvimento cognitivo é impulsionado pela realização de atividades significativas, o que faz o indivíduo ter um melhor desenvolvimento de conhecimento. A teoria da atividade de Leontiev destaca a importância do contexto e das interações sociais no desenvolvimento cognitivo. Ele sugeriu que o conhecimento é construído através da participação ativa em práticas sociais, onde a linguagem serve como um meio de comunicação e reflexão que mediam o pensamento e a compreensão do mundo. A linguagem é uma representação tanto do mundo externo como uma expressão de um mundo interno do indivíduo. É através da linguagem que os indivíduos podem se expressar ativamente.
Outro importante colaborador de Vygotsky é Alexander Luria, que fez significativos avanços na neuropsicologia, explorando como os processos cognitivos são mediados pelo cérebro. Luria investigou as bases neurológicas do comportamento humano, demonstrando como as funções cognitivas complexas, como a linguagem e o pensamento, são organizadas no cérebro. O seu conceitos de "sistema funcional" foi desenvolvido para explicar como diferentes áreas do cérebro colaboram para realizar funções cognitivas. E que a linguagem desempenha um papel central na organização das funções mentais superiores, mediando a formação de conceitos e o pensamento lógico. Suas pesquisas destacaram a interdependência entre o desenvolvimento neurológico e a experiência social e cultural, sugerindo que o conhecimento é construído através da interação dinâmica entre o cérebro e o ambiente social. Quanto mais se tem uma interação social em seu ambiente, mas as funções cognitivas são desenvolvidas, um importante papel para o desenvolvimento cognitivo e o conhecimento em geral.
Reflexão
A linguagem pode de fato influenciar a maneira como pensamos, uma busca por ideia, uma definição ou outros. Uma demonstração recente desse fenômeno envolveu diferenças na maneira como falantes de inglês e mandarim pensam e falam sobre o tempo. Falantes de inglês tendem a falar sobre o tempo usando termos que descrevem mudanças ao longo de uma dimensão horizontal, por exemplo, dizendo algo como “I’m running behind schedule” ou “Don’t get ahead of yourself”. Enquanto falantes de mandarim também descrevem o tempo em termos verticais, não é incomum usar termos associados a um arranjo vertical. Por exemplo, em estrutura vertical o passado pode ser descrito como 上 (shàng) “acima”, o presente como 中 (zhōng) como "meio" e o futuro 下 (xià) significando abaixo.
Outro exemplo muito interessante, é dos povos Pirahã, que são uma tribo que vive na Amazônia brasileiras. Eles são conhecidos como sua linguagem única e têm sido objeto de muitos estudos linguísticos devido a suas características peculiares. A língua Pirahã possui um número extremamente pequeno de fonemas, o que a torna fonologicamente simples. Não existem palavras para números e eles utilizam conceitos relativos como "poucos" e "muitos", mas não há palavras específicas para contar, algo que seja muito curioso. Vamos analisar sua cultura, os Pirahã vivem no presente e não possuem mitos de criação e não se preocupam com o futuro ou o passado além do que é necessário para sua sobrevivência imediata e isso se expressa em sua linguagem.
Conclusão
Ao refletir sobre as experiências com diferentes línguas, podemos observar como a escolha de palavras, a estrutura e até mesmo a fonética podem influenciar nosso pensamento e nossa comunicação e até mesmo nossa cultura. Cada palavra pode expressar uma riqueza de significados expressa pelos pensamentos e que podem encaixar em determinadas situações. E isso pode refletir e muito na cultura. Os estudos de Vygotsky, Leontiev, e Luria fornecem uma base importante para entendermos como a linguagem, o pensamento, o conhecimento e a cultura se desenvolvem de forma interdependente. O que mais você pode entender em nossa cultura atual, meu caro leitor? É fascinante este entendimento sobre como a linguagem nos possibilitou muitas coisas.
Referências
Zona de desenvolvimento proximal: https://www.ceale.fae.ufmg.br/glossarioceale/verbetes/zona-de-desenvolvimento-proximal
Teoria da Atividade: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8657702
Teoria do Sistema Funcional: https://portaldapsicologia.com/2019/06/08/teoria-do-sistema-funcional-de-luria/
Povo Pirahãs: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Pirah%C3%A3