Uma reflexão sobre a matemática

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Sempre que alguém me pergunta sobre a natureza da verdade, gosto de dividir essa questão em categorias específicas. Como sou da área de exatas, meu olhar recai especialmente sobre a matemática — não apenas como uma ferramenta, mas como uma linguagem peculiar, com características únicas em nosso entendimento do mundo.

Grande parte do que faço é, no fundo, matemática. Provo teoremas. E a matemática sempre ocupou um lugar um tanto desconfortável na nossa cultura, inclusive dentro da própria ciência. Por um lado, ela é frequentemente tratada como o único conhecimento absolutamente certo, talvez a única certeza além da nossa própria existência. Por outro, ela parece não vir de lugar algum no mundo físico. De onde, então, a matemática realmente surge?

Muitas tentativas foram feitas ao longo da história para trazer a matemática de volta à realidade física. Alguns dizem que a verdade matemática é apenas uma generalização das observações do mundo. Por exemplo, quando afirmamos que 2 + 2 = 4, estaríamos apenas reproduzindo a experiência acumulada de nossos ancestrais, que colocavam duas pedras ao lado de outras duas e viam quatro.

Mas esse argumento desmorona facilmente. Imagine que alguém colocasse duas pedras ao lado de outras duas e visse cinco. A reação imediata não seria concluir que 2 + 2 deixou de ser quatro, mas sim pensar em mil outras possibilidades: as pedras se dividiram? Alguém adicionou outra? Estou alucinando? O ponto é: nossa crença em 2 + 2 = 4 não depende do que vemos. Vem de outro lugar.

Às vezes, ouve-se que a matemática é uma construção puramente cultural. Mas isso também não se sustenta. Vi uma vez uma reprodução de um manuscrito japonês do ano 900 com uma demonstração da fórmula da área do círculo: A = πr². Não sei ler japonês moderno, muito menos o antigo, mas bastaram os diagramas para eu compreender perfeitamente a prova, a mesma que eu mesmo daria. Isso mostra que a matemática possui uma universalidade que atravessa culturas, línguas e épocas.

E não para por aí. Se um dia encontrássemos uma civilização alienígena, seria difícil imaginar que discordariam da afirmação de que 13 é um número primo. Eles poderiam usar uma terminologia diferente, mas depois de alinharmos os conceitos, teríamos que concordar sobre certas verdades.

Há também quem diga que verdades matemáticas são apenas convenções linguísticas. Um exemplo clássico é a ideia de que "todo homem solteiro é um não casado" — uma definição embutida na linguagem. No entanto, temos teoremas matemáticos que não são nada óbvios. Muitos deles foram conjecturados séculos antes de serem provados, como o famoso Último Teorema de Fermat. Eles têm todas as características de uma descoberta, não de uma convenção.

Minha visão é que a matemática possui uma autonomia própria. É uma forma de conhecimento distinta de todas as outras, mas que é acessível à razão humana. Ainda assim, há críticos da ideia de que verdades matemáticas são absolutas, e muitos acreditam ter um argumento definitivo: o Teorema da Incompletude de Gödel.

Esse teorema diz, essencialmente, que qualquer sistema formal suficientemente robusto — como a aritmética de Peano ou a teoria dos conjuntos de Zermelo-Fraenkel — não consegue provar todas as verdades sobre aritmética que são, de fato, verdadeiras. Mais ainda, ele não consegue provar a sua própria consistência.

Podemos tentar contornar isso acrescentando um novo axioma que afirma a consistência do sistema original. Mas, com isso, criamos um novo sistema que, por sua vez, também não consegue provar a própria consistência. Isso nos leva a um ciclo sem fim. Gödel demonstrou que nenhum conjunto de axiomas pode conter todas as verdades da aritmética. Não há um único sistema formal que esgote completamente o que é verdadeiro.

Muitos interpretam isso como prova de que a verdade matemática é relativa. Mas, curiosamente, o próprio Gödel pensava exatamente o contrário. Ele era um platonista convicto, acreditava em um reino absoluto de verdades matemáticas. E seu teorema, para ele, fortalecia essa visão, ao mostrar que esse reino não pode ser reduzido a um simples jogo de símbolos.

Os enunciados analisados por Gödel são, muitas vezes, proposições que não podem ser provadas ou refutadas dentro de um sistema formal, mas podem ser demonstradas em outro. Mesmo assim, temos razões para acreditar que são verdadeiras, justamente porque, ao adotarmos os axiomas de um sistema, assumimos que eles são consistentes.

E mesmo se um dia alguém provasse que os axiomas da teoria dos conjuntos são inconsistentes, isso não invalidaria o fato de que 2 + 2 = 4. Isso só significaria que precisaríamos de melhores axiomas. A verdade matemática, nesse sentido, está além dos sistemas que usamos para prová-la. Os inteiros, por exemplo, têm uma realidade independente daquilo que conseguimos formalmente demonstrar.

É claro que nem toda questão matemática carrega esse peso de objetividade. Existem perguntas muito mais complexas, como a hipótese do contínuo — que investiga se há um tipo de infinito entre os números inteiros e os reais. Foi provado que essa hipótese é independente dos axiomas da teoria dos conjuntos. Nesse caso, faz sentido imaginar que não exista uma verdade objetiva. Você pode escolher aceitá-la ou não, e nenhum paradoxo resultará disso.

Mas em relação às verdades aritméticas, não consigo aceitar a ideia de que não há objetividade. Se não sabemos com certeza o que significa dizer que "2 + 2 = 4", ou que "este número é primo", então como podemos sequer afirmar que uma proposição é provável ou improvável? Isso nos levaria a um labirinto sem saída.

Se você duvida da validade absoluta das verdades da aritmética, talvez nada mais faça sentido. Porque se nem isso for verdadeiro de maneira inequívoca, então o que seria? Fica aí uma boa reflexão.

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