Se tem uma coisa que aprendi nos últimos anos é que meu intestino fala, e fala muito. Só que ele não usa palavras, ele usa sinais, moléculas, hormônios e até uns palpites emocionais. E o mais curioso é que o cérebro ouve tudo.
Eu sempre achei que o intestino fosse um coadjuvante nessa história toda do corpo. Mas aí, eu comecei a buscar entender melhor sobre ele e encontrei algo que me deixou muito interessado: o microbioma intestinal, ou como gosto de chamar "o universo particular de bactérias"
Imagine que dentro de sua barriga vive uma civilização, milhares de microrganismos. Eles moram no seu intestino, têm seus próprios genes, e então ali fazendo coisas que nunca imaginaríamos. Como, por exemplo, fabricar neurotransmissores, mexer com o humor, interferir no sono, e até dar pensamentos. É muito curioso tudo isso.
Muitos conhecem o intestino como um segundo cérebro, e é claro a ciência já está tratando o intestino assim faz tempos. É por um motivo bem forte: a conexão direta com o cérebro pelo nervo vago. É por esse caminho que as bactérias “conversam” com nosso sistema nervoso central. Mas não é só isso, essas bactérias conseguem influenciar nosso sistema imune, metabolismo, e até o jeito que lidamos com o estresse. Elas moldam a arquitetura do nosso sono, memória, humor, e isso é o mais incrível.
Aí podemos refletir sobre o que acontece com o intestino quando ele se desorganiza? Eu fui descobrir da pior forma: noites mal dormidas, ansiedade e uma sensação constante de cansaço. E tudo começou com umas mudanças na alimentação e muito estresse acumulado. Aí o que era um ecossistema funcionando corretamente virou bagunça, o que os cientistas chamam de disbiose.
Quando isso acontece, o corpo começa a ficar mais inflamado, tanto por dentro quanto por fora. E aí, meu caro, o cérebro sente. Inflamações leves, que começam no intestino, podem atrapalhar o humor, a concentração e até a nossa forma de lidar com a dor. Lembra daquela vez que você estava com o estômago mal e tudo parecia um fardo contante? Então, pode apostar que tinha bactérias dominando seu estômago.
Uma das coisas mais impressionantes que descobri é como essas bactérias produzem substâncias que afetam nosso cérebro de forma direta. Existem bactérias que podem produzir dopamina, serotonina, GABA entre outros. E tem mais: elas não só produzem, como também respondem a esses compostos. Quando você está estressado e libera adrenalina, pode ter bactérias que cresce com isso, o estresse alimenta algumas das mais perigosas do intestino. O grande problema é que esse ciclo vicioso começa a prejudicar todo o corpo. Você come mal, desequilibra o intestino, seu humor desce, você se entope de comida processada para tentar melhorar, e o ciclo vai continuando.
Outro aprendizado que obtive nessa jornada foi sobre lipopolissacarídeos, ou LPS. Isso são partes da parede de bactérias, que, quando escapam para o sangue, graças ao intestino permeável, acionam inflamação geral no corpo. Essas inflamações influenciam diretamente o cérebro, contribuindo para afetar o sono, memória e até aumentar a dor. Em casos mais extremos, pode estar por trás de doenças como fibromialgia, síndrome da fadiga crônica, depressão, ansiedade e até esquizofrenia.
Eu nunca pensei que a permeabilidade intestinal fosse algo tão sério. Mas é. Quando a barreira do intestino fica “furada”, tudo entra na corrente sanguínea: toxinas, pedaços de bactéria, produtos de fermentação. E isso vira um festival de estímulos para o sistema imune, gera inflamação e mais inflamação. Essa barreira “furada” está por trás de doenças como síndrome do intestino irritável, autismo, dependência de álcool, e até enxaqueca.
Uma das coisas que mais contribui para tudo isso são alimentos ultraprocessados. Ele é um dos maiores culpados por desorganizar o microbioma, e isso é a famosa "dieta ocidental" que faz um grande estrago. Ela reduz a diversidade das bactérias boas e abre espaço para as nocivas. Esse tipo de alimentação aumenta a produção de substâncias tóxicas como o D-lactato e a amônia, duas bombas para o cérebro. O D-lactato, por exemplo, pode causar confusão mental, fadiga, e até crises parecidas com depressão. Já a amônia é neurotóxica e está ligada àquela sensação de “mente nebulosa”.
Uma das coisas que me pegou, foram estudos recentes que têm ligado o microbioma à origem de sintomas do espectro autista. Crianças com autismo tendem a ter um intestino diferente, com bactérias que produzem mais propionato, uma substância que, em excesso, parece causar inflamação e afeta a função cerebral. Isso sem contar as crianças que têm intolerância a certos carboidratos, que favorece o crescimento de bactérias ruins. Em alguns casos, antes mesmo dos sintomas aparecerem, o intestino já tava pedindo ajuda.
A boa notícia é que tem caminho de volta. Probióticos (bactérias boas) e prebióticos (alimento para essas bactérias) têm mostrado efeitos incríveis. Eles ajudam a restaurar a barreira intestinal, reduzem inflamações e melhoram a resposta ao estresse. Eu, por exemplo, comecei a usar probióticos e prebióticos e senti uma mudança no humor e no foco. Existem estudos com cepas como Lactobacillus helveticus e Bifidobacterium longum mostrando que elas reduzem ansiedade, depressão e até melhoram o sono. E não precisa ser nada industrializado. Iogurte natural, kefir, alimentos fermentados pode contribuir muito para a saúde intestinal. Mas, claro, cada um responde de um jeito, o microbioma de cada pessoa é quase como uma impressão digital.
Um dos aprendizados mais importante que tive foi: o que eu como muda quem eu sou. Literalmente, tudo que eu como influencia meus pensamentos, humor, clareza mental, e tudo isso vai influenciando quando chega no meu intestino. E não é papo de “comer saudável é bom”. É um chamado para entender que podemos moldar nosso cérebro e nossas emoções pela comida. Tem substância produzida pelas bactérias que alteram até como os genes se expressam. Isso se chama epigenética, e o microbioma participa ativamente disso.
Não é necessário virar um monge, viver de kombucha ou gastar rios de dinheiro em suplementos. Pequenas mudanças já fazem a diferença: reduzir açúcar refinado, incluir alimentos fermentados, dormir bem, reduzir o estresse. Cada vez que você cuida do seu intestino, você tá dizendo para o seu cérebro: “está tudo bem, pode relaxar”. Foi assim que voltei a dormir melhor, a acordar com mais disposição e a sentir que minha mente tava mais leve. Foi me ouvindo por dentro — literalmente — que encontrei um caminho mais firme para minha saúde
Referências:
O efeito ansiolítico do bifidobacterium longum ncc3001 envolve vias vagais para a comunicação intestinal: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC3413724/
Microorganismos que alteram a mente: o impacto da microbiota intestinal no cérebro e no comportamento: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22968153/
Efeitos dependentes da dose da endotoxina nas funções neurocomportivas em humanos: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22164271/
A endotoxemia experimental aguda induz hipersensibilidade visceral e avaliação de dor alterada em humanos saudáveis: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22264996/
Endotoxemia metabólica: uma ligação molecular entre obesidade e risco cardiovascular: https://jme.bioscientifica.com/view/journals/jme/51/2/R51.xml
Papel das vias inflamatórias, células mononucleares do sangue e produtos bacterianos derivados do intestino na dependência de álcool: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24629538/
Permeabilidade intestinal, disbiose-intestinal-bacteriana e marcadores comportamentais da gravidade da dependência de álcool: https://www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.1415174111
Aumento da IgA sérica e IgM contra LPs de Enterobactérias na síndrome da fadiga crônica (SFC): indicação para o envolvimento de enterobactérias gram-negativas na etiologia do CFS e para a presença de uma permeabilidade intestinal aumentada: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17007934/
A erradicação de crescimento bacteriano intestinal reduz os sintomas da síndrome do intestino irritável: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11151884/
Bactérias intestinais de ácido D-lácico aumentado em pacientes com síndrome de fadiga crônica: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19567398/
Fermentação no intestino grosso humano: suas conseqüências fisiológicas e a potencial contribuição dos prebióticos: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21992950/
Regulação da resposta ao estresse pela microbiota intestinal: implicações para a psiconeuroendocrinologia: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22483040/
Um caso de encefalopatia do ácido d-lático associado ao uso de probióticos: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19917522/
Níveis de amônia e severidade da encefalopatia hepática: https://www.amjmed.com/article/S0002-9343(02)01571-1/fulltext#:~:text=The%20authors%20found%20four%20measures,and%20venous%20partial%20pressure%20of
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