O que a natureza nos ensina sobre sobreviver ao caos

Natureza

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Sempre que eu olho o mundo ao meu redor, as cidades fervilhando de gente, as redes sociais conectando tudo em tempo real, e o clima bagunçado, quase implorando por atenção, me vem uma pergunta: como a natureza lida com o caos? Porque, sejamos honestos, o caos é a regra, não a exceção.

A história do planeta é um romance de bilhões de anos, cheio de reviravoltas, catástrofes, sobrevivências improváveis e estratégias geniais. E tudo começou com uma simplicidade quase poética: física pura, vapor, calor, rochas derretidas. A terra era um caldeirão de forças brutais, rígida por leis que ainda são verdadeiras ainda hoje. E aí veio a água, o vapor virou oceano, e com essa mudança de fase, algo novo brotou: a vida

Da química ao caos, e pensar que a natureza realmente é muito bela. Foi ali, em uma poça fervente de moléculas, que uma célula resolveu nascer, um amontoado de compostos ganhou um sopro de autonomia, e o que era físico virou biológico. A partir daí, a história deixou de ser previsível, a vida começou a experimentar, tropeçar, inovar. Surgiram as primeiras bactérias que se alimentavam de compostos químicos, algas que começaram a aprender a usar a luz do sol, e eventualmente, plantas que nos deram oxigênio. O planeta agora virou um sistema vivo e adaptativo.

Isso significa, ao longo do tempo, a Terra virou um grande organismo, aonde cada parte interage com outra em ciclos constantes. Um sistema assim não é estático, ele aprende, responde, e se reinventa. O mais interessante é que ele sobrevive, mesmo quando tudo parece ruir.

Duas grandes tragédias marcaram o processo de desenvolvimento do planeta, a extinção em massa de 250 milhões de anos atrás, e o impacto que exterminou os dinossauros há 600 milhões de anos. E mesmo com tudo isso que aconteceu a vida persistiu. Sabe o porquê? Devido à diversidade, enquanto algumas espécies morriam, outras estavam prontas para ocupar os espaços vazios, era como se a natureza tivesse sempre uma carta na manga.

A diversidade foi a armadura da vida, não só diversidade de espécies, mas dentro das próprias espécies, ou seja, diferentes indivíduos com estratégias diferentes, garantindo que ao mesmo alguns sobrevivessem. Isso vai também para o nosso tempo, em um mundo onde comemos as mesmas poucas espécies de plantas em escala global, onde culturas inteiras são engolidas pela padronização, estamos apostando contra o que a natureza aprendeu da forma mais difícil, a uniformidade é um risco para a natureza.  Engenharia, falamos em redundância, no mundo financeiro, chamamos de portfólio diversificado, em ecologia é biodiversidade. Isso é tudo a mesma ideia, não colocar todos os ovos na mesma cesta, não uniformizar as coisas e sim diversificar.

Uma das coisas mais interessantes no qual a natureza domina é a autorregulação ou o que chamamos de homeostase. Nosso corpo faz isso o tempo todo, se está quente, nós começamos a suar para esfriar o corpo, ou quando está frio demais a gente treme para tentar aquecer o corpo. O açúcar sobe, o corpo manda insulina para cair, um hormônio para tentar corrigir o açúcar.

O planeta também faz tudo isso, animais o devolvem, vulcões liberando CO₂, e a chuva ácida dissolve rochas que depois viram sedimentos marinhos que aprisionam esse carbono. Tudo em um ciclo quase que mágico, que manteve a terra habitável por milhões de anos. E imitamos isso sem perceber, o tal do "circuit breaker" das bolsas e valores, aquele que interrompe negociações quando o mercado entra em pânico, é uma forma de homeostase financeira, uma tentativa de impedir que uma queda vire um colapso. 

Toda essa complexidade tem um lado sombrio, sistema complexo são frágeis, quando tudo está conectado um problema pequeno pode virar um desastre global. Uma planta que depende de um inseto para polinização está em risco se o inseto desaparecer. Uma mesma comparação podemos usar de um supermercado em São Paulo pode ter prateleiras vazias, ser não tiver entregas de indústrias ou empresas, um caminhão pode sofrer um desastre. Na natureza isso acontece o tempo todo, por isso ela desenvolveu truques para se proteger. As plantas dependem raramente de um único polinizador, uma orquídea pode contar com dezenas de espécies de borboletas e mariposas, assim, se uma sumir, as outras dão conta do recado. 

Esse jogo de relações virou um dos maiores segredos da vida, plantas atraem polinizadores, conecta, animais espalham sementes ao comer frutas, é um ganha-ganha danado. Mas também tem um risco, se um elo quebra, o resto sente. Ainda assim, a estrutura dessas redes é feita de forma inteligente: especialistas se ligam a generalistas, e vice-versa, isso cria uma rede onde, se um nó falhar, os outros seguem a onda. Até as folhas tem essa sabedoria, as veias de uma folha não seguem uma linha reta do caule para borda, elas fazem curvas, voltam e se entrelaçam, isso garante que, se um pedacinho for arrancado, a água e os nutrientes possam dar volta e seguir o caminho.

Se tem uma metáfora perfeita para pensar em redes e complexidade, são os cupins. Eles conseguem construir uma cidade inteira, verdadeiras catedrais de terra, com câmaras, jardins de fungos e sistema de ventilação. E tudo isso, sem um engenheiro, sem uma planta de obra, sem comando central. Como eles fazem isso? Por feromônios, um começa e outros seguem o cheiro. O cheiro diz onde e como continuar, uma obra coletiva guiada por instinto, um comportamento emergente, como os cientistas gostam de dizer.

E eles vão além, quando uma doença entra na colônia, os infectados se isolam, os outros desinfectam o ambiente, ajustam a rede social interna, bloqueia o contágio. Isso tudo parece até ficção científica, mas é só a natureza sendo genial.

Durante a pandemia de COVID-19, nós vimos na prática o que acontece quando uma rede global entra em colapso, faltou comida, equipamentos médicos, até papel higiênico. Porque nossa cadeia de suprimentos é feita para eficiência, não para resiliência. Um probleminha lá na China virou uma crise global. Se tivéssemos apreendido com as folhas, com os cupins, com as orquídeas e suas borboletas, talvez tivéssemos preparado alternativas, rotas redundantes, parceiros diversos, em vez de redes tensas, poderíamos ter redes flexíveis. 

Outro recado importante da natureza está na ausência de comando central, não existe um chefe dizendo o que cada bactéria, planta, o animal deve fazer. A organização vem do coletivo, dos sinais, do ambiente, das interações. Isso também vale para a sociedade humana. Tem várias partes do mundo, comunidades locais consegue gerenciar florestas, rios, e recursos de forma mais eficiente do que governo central. Porque entendem o lugar, sente um impacto, ajustam suas ações com base na realidade ao redor. Igualzinho a um cupim guiado por cheiro. 

É claro que não somos planta, nem insetos, temos ética, cultura, sonhos arrependidos, mas isso não impede de possamos olhar para a natureza e aprender com sua longa experiência em sobreviver ao imprevisível. Muitas civilizações caíram antes, o império romano, os Maias, os povos da Mesopotâmia, todos eles construíram redes vastas, muitas vezes frágeis demais para aguentar um choque. Hoje, nós vivemos em uma civilização global, correntes muito mais complexas. E por isso, o risco é bem maior. A natureza não tem moral, não protege os fracos, mas ela ensina como persistir, e talvez seja uma hora de parar de tentar dominá-la e começar a escutá-la.

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