Na postagem anterior eu abordei sobre o SIBO, (Small Intestinal Bacterial Overgrowth, ou supercrescimento bacteriano no intestino delgado), e isso me fez refletir mais sobre o eixo-intestino-cérebro, além de buscar mais sobre de outros mecanismo dele, e me chegou ao nervo vago. Para muitos pode ser complicado entender essa questão, mas é muito importante para entender ainda mais como o intestino se conecta ao cérebro. Imagine que dentro do seu corpo, bem ali no intestino, há trilhões de micro-organismos que interagem diretamente com o cérebro, influenciando desde o seu humor até a forma como você responde ao estresse.
O nervo vago é como uma estrada de mão dupla que conecta nosso sistema digestivo ao cérebro. Cerca de 80% das fibras desse nervo são "aferentes", o que significa que elas enviam informações do corpo para o cérebro. É como se o intestino fosse um grande mensageiro, passando dados valiosos sobre o que está acontecendo dentro de nós. E, acredite, o cérebro responde! É uma troca de sinais constante que mantém nosso corpo em equilíbrio, ou pelo menos tenta. Esse equilíbrio, no entanto, pode ser facilmente perturbado, especialmente quando há alterações no microbioma intestinal.
O que acontece no intestino não fica no intestino. Disbiose é um termo que pode soar técnico, mas refere-se simplesmente a um desequilíbrio no microbioma. Esse desequilíbrio está relacionado a uma série de condições, como a síndrome do intestino irritável e a doença inflamatória intestinal são algumas delas. Imagine um ambiente onde as "boas bactérias" perdem espaço para as "ruins". Esse cenário pode gerar inflamações, alterar a permeabilidade do intestino e, eventualmente, afetar até mesmo nosso humor. É aqui que o nervo vago entra novamente, como um mediador tentando restaurar a paz.
Quando o nervo vago está funcionando bem, ele ajuda a reduzir inflamações no corpo. Existe uma via chamada de "anti-inflamatória colinérgica", que basicamente usa o nervo vago para acalmar a resposta do sistema imunológico. Isso não apenas protege o intestino, mas também pode influenciar a composição do microbioma. Tudo isso parece um trabalho árduo para um único nervo, mas é exatamente isso que ele faz. Agora, quando estamos estressados, a coisa muda de figura.
O estresse é como aquele visitante indesejado que chega e só traz problemas. Ele ativa o sistema nervoso simpático e, ao mesmo tempo, inibe o nervo vago. Essa combinação pode ser devastadora para o intestino. A permeabilidade intestinal aumenta, permitindo que substâncias indesejadas atravessem para a corrente sanguínea, e o microbioma sofre alterações significativas. Isso pode criar um ciclo vicioso: o estresse afeta o intestino, e um intestino em desordem intensifica a sensação de estresse. Para quem já sofreu com problemas como intestino irritável, deve notar a semelhança.
O mais impressionante é como o nervo vago atua como um elo direto entre o intestino e o cérebro. Ele pode transmitir sinais que influenciam nosso humor e até mesmo comportamentos relacionados à ansiedade e depressão. Em alguns estudos têm demonstrado que bactérias probióticas específicas podem alterar a atividade desse nervo, reduzindo sintomas de estresse em animais. Isso sugere que, em um futuro não muito distante, talvez possamos tratar condições mentais ajustando o microbioma ou estimulando o nervo vago.
O intestino também é um grande produtor de neurotransmissores. Serotonina, dopamina e GABA, que são fundamentais para o nosso bem-estar, podem ser liberados diretamente no intestino. Algumas dessas substâncias atuam localmente, mas outras conseguem chegar ao cérebro, influenciando como nos sentimos e reagimos. É por isso que o intestino é muitas vezes chamado de "segundo cérebro". Ele não apenas responde às nossas emoções, mas também pode gerá-las.
Outro ponto importante de se destacar é como o nervo vago ajuda a manter a barreira intestinal intacta. Pense na barreira intestinal como uma parede de tijolos, que impede a entrada de invasores indesejados. Quando essa barreira é comprometida, coisas como inflamação sistêmica e doenças crônicas podem surgir. Aqui, o nervo vago mostra novamente sua importância, regulando proteínas que reforçam essa barreira. Estimular o nervo vago, seja por técnicas como eletroestimulação ou até mesmo práticas como meditação e respiração profunda, pode fazer uma diferença real nesse processo.
Quando falamos sobre saúde intestinal, muita gente pensa apenas em probióticos ou dietas. Claro, isso é importante, mas não podemos ignorar o papel do sistema nervoso. O nervo vago está no centro disso tudo, conectado ao que comemos e como nos sentimos. Uma dieta equilibrada, pode não apenas alimentar as bactérias boas, mas também pode ativar caminhos que envolvem o nervo vago.
Ainda assim, a relação entre o nervo vago e o microbioma vai além do intestino. Existem estudos que mostram como a estimulação desse nervo pode reduzir inflamações em outras partes do corpo, como no cérebro. Isso abre portas para tratamentos de doenças neurodegenerativas, que muitas vezes têm ligação com inflamações crônicas. É como se o nervo vago fosse um supercondutor, capaz de afetar tanto o físico quanto o emocional.
Apesar de todo esse potencial, ainda há muito a ser descoberto. Como, por exemplo, entender exatamente como bactérias específicas interagem com o nervo vago ou como otimizar sua estimulação de maneira personalizada. A ciência está avançando rápido, mas enquanto isso, podemos adotar práticas simples que promovem um estilo de vida mais equilibrado, como manejar o estresse, dormir bem e, claro, cuidar da alimentação.
Eu fico espantado ao pensar como um simples nervo pode ser tão complexo e vital. Ele não apenas conecta órgãos, mas também cria pontes entre nossa saúde física e mental. Ele não é apenas um simples nervo, ele é muito mais do que isso, como você leu nesta postagem. Cada vez mais, a ciência confirma que somos um sistema integrado, onde intestino, cérebro e emoção formam um único conjunto.
Referências:
O nervo vago na interface do eixo microbiota-intestino-cérebro: https://www.frontiersin.org/journals/neuroscience/articles/10.3389/fnins.2018.00049/full
O microbioma intestinal humano na saúde e na doença: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27974040/
Propriedades anti-inflamatórias do nervo vago: potenciais implicações terapêuticas da estimulação do nervo vago: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27059884/
A ingestão da cepa de Lactobacillus regula o comportamento emocional e a expressão central do receptor GABA em um camundongo através do nervo vago: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21876150/
Microorganismos que alteram a mente: o impacto da microbiota intestinal no cérebro e no comportamento: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22968153/
Estimulação do nervo vago eferente atenua lesão da barreira intestinal após queimadura: modulação da expressão da ocludina intestinal: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20539179/
Os efeitos da microbiota intestinal na adiposidade do hospedeiro são modulados pelo receptor acoplado à proteína G de ligação a ácidos graxos de cadeia curta, Gpr41: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18931303/
Tônus vagal: efeitos na sensibilidade, motilidade e inflamação: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27010234/
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