O Estado de Flow

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O conceito de “estado de flow” tem ganhado bastante atenção nos últimos anos, especialmente em áreas que buscam a alto desempenho, como esportes, negócios e outras atividades profissionais. Esse estado, também conhecido popularmente como “estar na zona” ou “no momento”, é marcado por uma sensação intensa de concentração e absorção na tarefa, onde o tempo parece distorcido e o desempenho flui de maneira natural e sem esforço. A questão é: como atingir esse estado tão desejado? E mais importante, como podemos reproduzi-lo em diferentes situações para alcançar resultados extraordinários?

Eu sempre me pergunto o que faz uma pessoa entrar nesse estado. Sabemos que distrações no ambiente de trabalho moderno são abundantes – desde as notificações constantes do celular até reuniões que parecem nunca acabar. Então, o que diferencia aqueles que conseguem se concentrar a ponto de alcançar uma produtividade cinco vezes maior? É isso que a ciência tem tentado desvendar, e as respostas estão começando a aparecer, principalmente no campo da neurociência e na compreensão de como nosso cérebro opera durante esses momentos de alto desempenho.

O Que É o Estado de Flow?

Para começar, vamos entender o básico. Flow é um estado mental onde a pessoa está completamente imersa na atividade, com foco total, e o desempenho se torna incrivelmente fluído. Quando estamos em flow, perdemos a noção do tempo, a autoconsciência diminui, e nossas habilidades parecem estar no ápice, tudo acontece de forma quase automática. É como se estivéssemos no piloto automático, mas com controle total.

Esse conceito foi primeiramente estudado por Mihaly Csikszentmihalyi, que destacou as condições necessárias para entrar nesse estado. Segundo ele, para que o flow aconteça, é preciso haver um equilíbrio entre o desafio da tarefa e as habilidades da pessoa. Se a tarefa for muito difícil, gera ansiedade; se for muito fácil, provoca tédio. O ponto ideal está exatamente no meio, onde a pessoa sente que tem as habilidades necessárias para superar o desafio, mas sem que isso se torne fácil demais.

A Busca Pelo Alto Desempenho

Todos nós, em algum momento, buscamos essa sensação de alto desempenho, seja em atividades profissionais ou pessoais. Uma pesquisa longitudinal conduzida por Cranston e Keller, revelou que pessoas que entram frequentemente em flow são muito mais produtivas do que aquelas que não experimentam esse estado. Isso nos faz pensar: como podemos reproduzir isso mais frequentemente no dia a dia?

A resposta pode estar tanto no ambiente quanto nas habilidades cognitivas envolvidas. O ambiente de trabalho moderno, está cheio de distrações, o que dificulta alcançar o flow. Para superar isso, é necessário criar condições que favoreçam o estado de flow. Isso inclui ter metas claras, receber feedback imediato e eliminar ao máximo as distrações.

E não é apenas no trabalho que o flow aparece. Podemos experimentar esse estado em uma infinidade de atividades – desde jogar videogames até praticar esportes ou tocar um instrumento musical. A chave é encontrar atividades que tenham um nível de desafio adequado às nossas habilidades e que nos permitam nos concentrar profundamente.

Neurociência do Flow

Agora, vamos falar sobre como nosso cérebro atua durante o flow. Muitos estudos recentes têm se concentrado nas bases neurocognitivas desse estado, tentando entender o que acontece no cérebro quando estamos totalmente imersos em uma atividade.

Durante o flow, nosso cérebro faz uma transição interessante: ele muda de um modo de controle cognitivo explícito (aquele que exige atenção consciente) para um modo implícito, onde as ações se tornam mais automáticas. Isso significa que, quanto mais praticamos uma habilidade, mais fácil se torna entrar no flow, já que nosso cérebro passa a processar as informações de maneira automática, sem exigir tanto esforço consciente.

A teoria da "hipofrontalidade transitória", proposta por Dietrich, sugere que durante o flow, as funções do córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável pelo pensamento consciente e pela tomada de decisões, são temporariamente inibidas. Isso libera mais recursos para que o cérebro execute processos automáticos, permitindo que a pessoa se concentre exclusivamente na tarefa em questão.

Os estudos mostram que o sistema dopaminérgico, responsável por regular a motivação e a recompensa, também desempenha um papel fundamental durante o flow. Quando estamos em flow, o cérebro libera dopamina, o que cria uma sensação de prazer e reforça a motivação para continuar na atividade. É por isso que o flow é tão viciante: ele nos faz sentir bem enquanto realizamos tarefas desafiadoras.

Como Induzir o Estado de Flow

Dado que o estado de flow é tão benéfico, muitos estudos têm explorado maneiras de induzir esse estado de forma mais consistente. Uma das técnicas que está ganhando destaque é a estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS). Essa técnica envolve o uso de uma corrente elétrica de baixa intensidade aplicada ao cérebro, o que pode aumentar ou diminuir a excitabilidade de determinadas áreas cerebrais.

Pesquisas mostram que a tDCS pode facilitar a entrada no estado de flow, especialmente em tarefas que envolvem aprendizado de habilidades motoras. Um estudo recente descobriu que pessoas que experimentavam baixos níveis de flow em uma tarefa aritmética conseguiram aumentar significativamente sua experiência de flow após a estimulação com tDCS. Isso sugere que, no futuro, poderemos utilizar essa técnica como uma ferramenta para melhorar o desempenho em diversas áreas, desde o esporte até o ambiente de trabalho.

O Papel da Automação

Outro aspecto importante do flow é o conceito de "automaticidade". Quanto mais praticamos uma habilidade, mais automática ela se torna, e isso é essencial para entrar no flow. Quando estamos aprendendo uma nova habilidade, nosso cérebro precisa de muitos recursos cognitivos para processar cada movimento ou decisão. No entanto, com a prática repetida, essas ações se tornam automáticas e exigem menos esforço consciente.

Essa transição da ação consciente para a ação automática é mediada pelo sistema de aprendizado implícito do cérebro, que envolve áreas como os gânglios da base e o cerebelo. Com o tempo, essas áreas assumem o controle das tarefas repetitivas, liberando o córtex pré-frontal para se concentrar em aspectos mais complexos da tarefa. Isso permite que entremos no flow, já que nosso cérebro não está sobrecarregado com o processamento consciente de cada detalhe.

Medindo o Flow

Mas como saber se realmente estamos em flow? A ciência tem tentado medir esse estado de diversas maneiras, sendo que a mais comum é por meio de questionários e entrevistas após a realização da tarefa. No entanto, medir o flow em tempo real é um desafio, já que o próprio ato de refletir sobre a experiência pode tirar a pessoa do estado de flow.

Para superar essa limitação, alguns pesquisadores estão utilizando técnicas psicofisiológicas, como eletroencefalografia (EEG) e ressonância magnética funcional (fMRI), para mapear as mudanças no cérebro durante o flow. Esses estudos mostram que há uma redução na atividade do hemisfério esquerdo do cérebro, responsável pelo pensamento analítico e verbal, enquanto o hemisfério direito, mais envolvido com o processamento visual e espacial, se torna mais ativo. Isso sugere que, durante o flow, estamos menos focados na análise consciente e mais sintonizados com a experiência sensorial da tarefa.

Aplicações Práticas

Então, como podemos aplicar tudo isso no nosso dia a dia? Primeiramente, é importante reconhecer que o flow não é algo reservado apenas para atletas ou artistas. Todos nós podemos entrar em flow em atividades cotidianas, desde o trabalho até atividades de lazer. O segredo é encontrar tarefas que sejam desafiadoras o suficiente para manter nosso interesse, mas não tão difíceis a ponto de nos deixarem ansiosos.

Criar um ambiente propício para o flow também é essencial. Isso significa eliminar distrações, estabelecer metas claras e garantir que haja um feedback imediato sobre nosso desempenho. Quando conseguimos reunir esses elementos, as chances de entrar em flow aumentam significativamente.

Outra dica importante é praticar a atenção plena (mindfulness). Estudos mostram que pessoas mais conscientes e presentes no momento têm mais facilidade em acessar o flow. Isso porque a atenção plena nos ajuda a focar no que estamos fazendo, sem nos deixar levar por pensamentos irrelevantes ou preocupações externas.

Conclusão

O estado de flow é um fenômeno fascinante que pode transformar nossa maneira de trabalhar, aprender e até mesmo nos divertir. Embora ainda haja muito a ser descoberto sobre os mecanismos neurocognitivos por trás desse estado, já sabemos o suficiente para começar a aplicá-lo em nossas vidas.

Ao equilibrar o nível de desafio com nossas habilidades, eliminar distrações e nos permitir mergulhar profundamente em uma tarefa, podemos aumentar nossas chances de alcançar o flow e, consequentemente, melhorar nosso desempenho em qualquer área. E quem sabe, no futuro, com a ajuda de técnicas como a estimulação transcraniana, possamos até mesmo induzir o flow de maneira mais consistente e controlada.

Flow não é apenas sobre alto desempenho; é sobre aproveitar cada momento da vida, seja no trabalho, em lazer ou em qualquer outra atividade. Quando estamos em flow, estamos no nosso melhor. E isso, por si só, já vale a pena buscar. 



Referências:

Conceito de Flow: https://en.wikipedia.org/wiki/Flow_(psychology)

Aumentando o 'quociente de significado' do trabalho: https://www.mckinsey.com/capabilities/people-and-organizational-performance/our-insights/increasing-the-meaning-quotient-of-work

A hipofrontalidade transitória como mecanismo para os efeitos psicológicos do exercício: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17081621/

Uma estrutura para experimentos neurofisiológicos em estados de fluxo: https://www.nature.com/articles/s44271-024-00115-3

Flow na neurociência: https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2021.645498/full

Uma revisão sobre o papel da neurociência dos estados de fluxo no mundo moderno: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC7551835/

Uma intervenção de estimulação transcraniana para apoiar a indução do estado de fluxo: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC6694760/

Medições do Flow: https://positivepsychology.com/how-to-measure-flow-scales-questionnaires/

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