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Quando ouvimos falar de sinestesia, geralmente pensamos em algo exótico ou totalmente diferente no qual estamos acostumados, uma experiência rara de misturar sentidos que, para muitos de nós, parece quase como poderes sobrenaturais. Mas, do ponto de vista da neurociência, a sinestesia é um fenômeno fascinante que revela muito sobre como o nosso cérebro funciona. Basicamente, a sinestesia ocorre quando a estimulação de um sentido provoca uma resposta automática em outro. Uma pessoa pode ouvir uma nota musical e “ver” uma cor associada a ela, ou provar um sabor ao olhar para um número. Para entender como isso é possível, precisamos mergulhar um pouco mais fundo no funcionamento cerebral e nas complexas redes de neurônios que compõem toda sua estrutura.
Existem diferentes tipos de sinestesia, e cada uma delas tem suas próprias características e fundamentos biológicos. Entre as mais comuns estão a sinestesia grafema-cor, onde letras ou números evocam cores específicas; a sinestesia de som-cor, em que sons provocam sensações visuais coloridas; e a sinestesia de sabor-palavra, em que palavras específicas podem gerar sensações gustativas. Mas o que causa essas ligações entre os sentidos? A base biológica por trás da sinestesia parece estar na conectividade neural aumentada ou atípica entre regiões do cérebro que normalmente não interagem tão diretamente. Essas conexões extras ou cruzadas criam "atalhos" no cérebro, permitindo que a informação de um sentido "escape" para o domínio de outro, resultando na experiência sinestésica.
A conectividade neural da sinestesia é um dos campos de estudo mais intrigantes e, ao mesmo tempo, fascinantes dentro da neurociência. Pesquisas com neuroimagem, como ressonância magnética funcional (fMRI), mostraram que, em cérebros sinestésicos, há uma ativação simultânea em áreas que, normalmente, seriam independentes. Quando uma pessoa sinestésica ouve uma nota musical, não só a região auditiva do cérebro se ativa, mas também as áreas associadas à visão de cores. Isso sugere que há conexões neuronais adicionais, ou talvez um "vazamento" de informações entre os sentidos. Em alguns estudos têm sugerido que essas conexões extras são vestígios de uma hiperconectividade que todos nós possuímos durante a infância, mas que a maioria das pessoas perde ao longo do desenvolvimento. No caso dos sinestetas, essas conexões permanecem, moldando como percebem o mundo.
A neuroplasticidade, ou a capacidade do cérebro de reorganizar suas conexões neuronais, desempenha um papel essencial na compreensão da sinestesia. Essa capacidade de reorganização é o que nos permite aprender novas habilidades, como tocar um instrumento musical ou aprender um novo idioma, e, no caso dos sinestetas, pode ser o que mantém as conexões entre os sentidos ativas. O que é fascinante é que a neuroplasticidade pode não só explicar a sinestesia como também como essa habilidade pode ser treinada ou ampliada. Existem alguns relatos de pessoas que, com prática e treinamento específico, conseguem desenvolver alguma forma de sinestesia adquirida, o que indica que nossos cérebros são muito mais maleáveis do que imaginamos.
Há também um fator genético envolvido. Estudos com famílias e gêmeos sugerem que a sinestesia pode ter um componente hereditário. Embora o gene ou os genes específicos ainda não tenham sido identificados, há uma forte evidência de que a sinestesia tende a ocorrer em famílias, o que sugere uma predisposição genética. No entanto, é importante destacar que a genética da sinestesia é provavelmente complexa e poligênica, o que significa que vários genes podem estar envolvidos, cada um contribuindo de forma sutil para o desenvolvimento dessa característica única. Além disso, esses genes podem interagir com o ambiente de maneiras que ainda estamos começando a entender.
A sinestesia adquirida é um campo particularmente curioso de analisar. Diferente da sinestesia "natural", que é percebida desde a infância, a sinestesia adquirida pode surgir após experiências específicas, como lesões cerebrais, uso de drogas psicodélicas, ou mesmo através de práticas meditativas intensas. Em muitos casos, essas formas adquiridas de sinestesia sugerem que o cérebro é capaz de criar novas conexões ou reativar antigas de maneira inesperada. Isso levanta perguntas sobre a flexibilidade do cérebro humano e a possibilidade de que todos nós possamos, potencialmente, experimentar alguma forma de sinestesia se determinadas condições forem atendidas.
Falando em impacto, a sinestesia tem um efeito significativo na memória. Muitos sinestetas relatam que suas memórias são mais vivas e detalhadas devido às associações sensoriais cruzadas. Isso faz sentido do ponto de vista da neurociência, pois a interconectividade entre diferentes regiões cerebrais pode criar múltiplos "pontos de acesso" para a recuperação de uma lembrança. Um sinesteta que vê cores ao ouvir músicas pode ter uma memória mais rica de uma experiência musical porque seu cérebro está processando a informação em várias dimensões sensoriais ao mesmo tempo. Essa "memória multimodal" pode ser uma vantagem cognitiva, proporcionando uma maneira única de armazenar e acessar informações.
No final, o estudo da sinestesia oferece uma importante e fascinante compreensão do cérebro humano e das complexas maneiras como ele processa informações. Ao explorar as bases neurais, a conectividade cerebral, a neuroplasticidade, a genética, e os efeitos da sinestesia na memória, aprendemos que o cérebro é uma estrutura extremamente adaptável e criativa. E, talvez, ao entender melhor como e por que a sinestesia ocorre, possamos também aprender mais sobre o potencial inexplorado de sua estrutura.
Referências:
Uma breve história de 200 anos da sinestesia: https://thereader.mitpress.mit.edu/a-brief-200-year-history-of-synesthesia/
Tipos de sinestesia: https://www.betterhelp.com/advice/synesthesia/the-many-types-of-synesthesia-explained/
Como os diferentes tipos de sinestesia se agrupam? Implicações para mecanismos causais: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8811335/
Transmissão de sinais de cima para baixo e hiperconectividade global na sinestesia auditivo-visual: Evidências de um estudo funcional de EEG em estado de repouso: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6866463/
Ouvir cores: um exemplo de plasticidade cerebral - https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4396351/
A Sobrevivência do Gene da Sinestesia: Por que Algumas Pessoas Ouvem Cores e Sentem o Sabor das Palavras? : https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3222625/
Adultos Podem Ser Treinados para Adquirir Experiências Sinestésicas: https://www.nature.com/articles/srep07089
Relato de Caso de Sinestesia Adquirida e Aumento da Criatividade em um Músico Após Lesão Cerebral Traumática: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37149895/
Os sinestetas têm melhor memória? : https://www.news-medical.net/health/Do-Synesthetes-Have-Better-Memory.aspx
Aprendizagem, memória e sinestesia: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3648671/
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