Já parou para pensar em como você lembra daquela receita de bolo que sua avó fazia, ou de uma música que tocava na sua infância? Ou até mesmo de informações que você aprendeu ontem, na aula ou no trabalho? A memória é um dos processos mais fascinantes do nosso cérebro, o seu entendimento de como ela funciona pode nos ajudar a melhorar nosso aprendizado e até mesmo evitar esquecimentos. Vamos dar um giro nessa jornada pelo cérebro e descobrir o que acontece quando aprendemos algo novo e conforme armazenado em nosso cérebro.
Como o cérebro processa
Bem, tudo começa quando você tem contato com algo novo. Pode ser uma palavra que você escutou, uma imagem que você viu, ou uma informação que você leu. Esse primeiro momento é o registro sensorial do cérebro. Estamos constantemente sendo bombardeado com várias informações sensoriais a cada momento, seja eles sons, imagens, cheiros, ou até sensações táteis, tudo isso é processado em nosso cérebro, e ele precisa filtrar as informações relevantes. Os sentidos fazem um trabalho rápido de captar as informações e enviá-las para o cérebro.
Mas, atenção: essa primeira fase é super rápida. A imagem de algo que você viu pode ser mantida no registro sensorial por cerca de meio segundo, enquanto um som pode durar até quatro segundos. Se você não prestar atenção à informação ela pode desaparecer. Por isso, o foco é essencial nesse primeiro estágio. É aí que entra o hipocampo, uma estrutura no cérebro responsável por pegar esses dados sensoriais e decidir se vale a pena manter ou descartar.
Vamos imaginar que você ouviu o nome de uma pessoa em uma reunião. Agora, essa informação vai para a memória de curto prazo, esta é aquela memória que você pode esquecer caso não reforce. É como se fosse o bloco de notas do cérebro, onde guardamos temporariamente as informações que estamos processando no momento.
A capacidade da memória de curto prazo é limitada, ela apenas consegue armazenar de 5 a 9 itens de uma só vez, e por um curto período, cerca de 20 a 30 segundos. Ou seja, sem repetir o nome da pessoa ou anotar, é bem provável que você o esqueça rapidamente.
Mas o que define se uma informação vai continuar no seu cérebro ou se será apagada? Um dos fatores principais é o quanto você foca ou pratica essa informação. Quando repetimos algo, estamos basicamente dizendo ao cérebro: “Ei, isso é importante! Mantenha isso por perto”.
Um exemplo bem popular disso é quando você decora um número de telefone para discá-lo. Se você não repetir ele, provavelmente vai desaparecer logo após usá-lo. Mas se você digitar várias e várias vezes ou anotá-lo, a chance de lembrar dele por mais tempo aumenta.
Agora, vamos supor que você repetiu várias vezes o nome daquela pessoa que conheceu na reunião, ou que revisou uma informação importante para uma prova. Esse processo de repetição ativa um fenômeno que chamamos de consolidação. Consolidar é o ato de transformar uma memória de curto prazo em uma de longo prazo.
E aqui vem uma parte interessante: a consolidação ocorre, na maioria, enquanto dormimos! O sono desempenha um papel muito importante na solidificação das memórias. É durante o sono que o cérebro organiza e reforça as conexões que formam essas memórias. Sem uma boa noite de sono, é mais difícil que o aprendizado do dia seja armazenado de maneira eficiente.
Outro aspecto curioso é que o tipo de memória que estamos consolidando influencia o processo. Existem diferentes tipos de memórias armazenadas de maneira distinta no cérebro. As principais são:
Memória declarativa: relacionada a fatos e eventos. Como lembrar a data do aniversário de alguém ou o nome de um país.
Memória procedural: relacionada a habilidades e hábitos. Como andar de bicicleta ou tocar uma música no violão.
Cada uma dessas memórias envolve diferentes áreas do cérebro. Por exemplo, enquanto a memória declarativa depende fortemente do hipocampo e de áreas do córtex cerebral, a memória procedural está mais associada ao cerebelo e aos núcleos da base, áreas envolvidas no controle motor.
Se a consolidação foi bem-sucedida, a informação chega à memória de longo prazo. E o mais impressionante: a memória de longo prazo é quase ilimitada! Muito diferente da memória de curto prazo, que tem espaço restrito, as informações na memória de longo prazo podem ficar armazenadas por bastante tempo, desde que sejam acessadas de tempos em tempos.
Aqui entra um conceito importante chamado de potenciação de longo prazo (LTP), que é um processo bioquímico que fortalece as sinapses (as conexões entre os neurônios). Cada vez que uma memória é revisitada, as sinapses responsáveis por armazenar aquela informação ficam mais fortes. É como se, a cada repetição, você pavimentasse uma estrada neural, tornando o caminho mais fácil para o futuro.
Mas, claro, a memória de longo prazo também não é infalível. Algumas informações podem ser esquecidas com o tempo se não forem utilizadas ou se perderem em meio a novas informações que chegam ao cérebro. Isso é conhecido como esquecimento e, curiosamente, é uma função adaptativa do cérebro. Ele precisa abrir espaço para novas aprendizagens e filtrar o que realmente é relevante.
Agora, algo muito interessante é o papel que as emoções desempenham na formação da memória. Sabe aquela sensação de que você nunca vai esquecer o dia em que recebeu uma notícia muito boa ou muito ruim? Isso acontece porque emoções intensas ativam a amígdala, uma estrutura do cérebro que está diretamente ligada ao processamento emocional.
Quando sentimos algo com muita intensidade, a amígdala sinaliza ao cérebro que aquela memória é importante, facilitando a sua consolidação. Isso explica porque traumas ou momentos marcantes ficam gravados de forma tão vívida. É como se o cérebro dissesse: "Isso aqui eu preciso guardar, porque pode ser útil para a sobrevivência."
Até aqui, vimos como a memória é criada e armazenada, mas e quando precisamos lembrar de algo? Esse processo de recuperação da memória é como abrir o arquivo que não esteja corrompido no cérebro.
O interessante é que as memórias não são armazenadas em um único lugar no cérebro. Elas são distribuídas em diferentes áreas, conforme o tipo de informação. Quando você tenta lembrar de algo, várias partes do cérebro trabalham juntas para reconstruir essa memória. Por exemplo, ao lembrar de uma viagem, o córtex visual pode se ativar para trazer de volta as paisagens que você viu, enquanto o córtex auditivo pode trazer sons específicos daquela experiência.
O problema é que, durante a recuperação, as memórias podem ser distorcidas. Toda vez que você relembra algo, o cérebro pode modificar detalhes, acrescentando novas informações ou até eliminando partes. É por isso que, às vezes, duas pessoas têm lembranças diferentes de um mesmo evento.
Outro ponto importante a se considerar é como o estresse e a saúde geral afetam a memória. Quando estamos sob muito estresse, o corpo libera cortisol, um hormônio que, em excesso, pode danificar o hipocampo, a área do cérebro fundamental para a formação de novas memórias. É por isso que, em momentos de muito estresse ou ansiedade, pode ser mais difícil lembrar de informações ou aprender algo novo.
A alimentação e o exercício físico também desempenham um papel vital na saúde do cérebro e, consequentemente, na memória. O cérebro consome uma quantidade significativa de energia e precisa de nutrientes adequados para funcionar bem. Alguns estudos mostram que dietas ricas em antioxidantes, ácidos graxos ômega-3 e vitaminas, e até mesmo as cetonas produzido pelo corpo em fase de cetose, são benéficas para a memória. Da mesma forma, a atividade física regular melhora o fluxo sanguíneo para o cérebro e pode estimular o crescimento de novas células nervosas, especialmente no hipocampo.
Conclusão
A memória é uma das funções mais complexas e fascinantes do cérebro humano. Eu acho incrível como nosso cérebro usa todo o seu potencial para criá-las. Desde o momento em que aprendemos algo novo até a sua transformação em uma lembrança de longo prazo, o processo envolve várias etapas e áreas do cérebro. O mais incrível é que, assim como qualquer outra habilidade, a memória pode ser treinada. A repetição, o sono adequado, a alimentação saudável e o controle do estresse são fatores que podem ajudar a manter e melhorar a capacidade de lembrar informações. E, com um pouco de prática e cuidado, você pode garantir que essas lembranças fiquem com você por um bom tempo.
Referências:
Como a memória funciona? Básico para entender ela: https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/memoria.htm
Aprendizado e memória: https://www.scielo.br/j/rbp/a/kFQxYnRjVMs7fG5cffRHCjv/
Potenciação e memória a longo prazo: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/14715912/
Memória humana: um sistema proposto e seus processos de controle1: https://app.nova.edu/toolbox/instructionalproducts/edd8124/articles/1968-Atkinson_and_Shiffrin.pdf
Memória, sono e sonho: experimentando consolidação: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3079906/
Memória: o que é, que tipos existem e como compensar dificuldades: https://crpg.pt/memoria-o-que-e-que-tipos-existem-e-como-compensar-dificuldades/
As influências da emoção no aprendizado e na memória: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5573739/
Efeitos da dieta cetogênica na cognição: uma revisão sistemática: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/1028415X.2022.2143609
Estresse e recuperação da memória de longo prazo: uma revisão sistemática: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7879075/
O efeito do exercício físico na memória de idosos – um estudo de intervenção: https://www.scielo.br/j/motriz/a/pRqQxXRR3cXp9GxYFkmCWSv/?lang=en