Dependências, vícios e a neurobiologia

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As diferentes possibilidades em que cada um se encontra é algo bem interessante de analisar. Existem muitas necessidades e hábitos que desenvolvemos ao longo de nossa vida e algumas delas podem nos dar satisfação ou até receios. Por exemplo, você acorda e toma seu café para obter energia durante o dia, seu cérebro fica saciado com a cafeína e te proporciona estímulos para enfrentar o dia. Quando o efeito acaba, você sente vontade de tomar mais uma xícara. Em outro caso, durante a noite, em uma comemoração, surge o desejo de beber álcool e para comemorar esta sua vontade você toma um pouco e a satisfação que te proporciona é muito boa. E isso com o  tempo podendo se tornar um hábito, tanto o café como bebidas alcoólicas.

Avanços recentes na neurociência têm proporcionado uma compreensão mais profunda das mudanças neurobiológicas que ocorrem em nosso cérebro assim que criamos dependências ou até mesmo vícios. Estudos têm revelado que a transição entre hábitos para a dependência envolve alterações em circuitos cerebrais específicos, como os gânglios da base cerebral, a amígdala estendida e o córtex pré-frontal. Essas descobertas têm demonstrado serem muito importantes para dar clareza de como o cérebro se comporta diante de vícios e também para desenvolver estratégias e tratamento e particularmente em populações vulneráveis, como adolescentes e jovens adultos. Vamos entender como surgem alguns vícios e os processos neurobiológicos que ocorrem no cérebro.

Os processos 

A dependência de substâncias envolve profundas mudanças neurobiológicas que transformam o uso recreativo em compulsão. Estudos indicam que a transição para a dependência pode ser explicada através de estágios: intoxicação, abstinência e preocupação. Em cada estágio o cérebro vai se desenvolvendo e criando algumas conexões e a dependência vai refletindo no indivíduo.

Durante o processo de intoxicação, o uso da substância ativa o sistema de recompensa do cérebro, aumentando a liberação de dopamina e criando uma sensação de euforia. Com o uso repetido, ocorre uma adaptação que leva ao aumento do incentivo para continuar usando, tornando a substância extremamente desejada. O indivíduo começa a buscar a substância constantemente, refletindo adaptações nos circuitos cerebrais dos gânglios da base e do núcleo accumbens, que controlam os comportamentos de recompensa e motivação. Em muitos casos quando ocorre a adaptação o indivíduo vai buscando doses cada vez mais altas para se saciar.

Durante a abstinência, o indivíduo enfrenta uma diminuição na recompensa cerebral e um aumento nos sinais de estresse, contribuindo para sentimentos de disforia e desconforto. Este efeito pode ocorrer com várias substâncias, como café, tabaco e medicamentos. Esta fase é caracterizada por adaptações no sistema da amígdala, onde neurotransmissores relacionados ao estresse são liberados. A ativação prolongada desse sistema pode levar ao desenvolvimento de estados emocionais negativos, e reforçando a busca pela substância para aliviar a tensão. A diminuição dos circuitos de recompensa durante a abstinência pode aumentar a sensibilidade ao estresse, criando um ciclo vicioso de busca compulsiva pela substância.

No estágio de preocupação, o usuário experimenta uma preocupação constante com a obtenção e uso da substância, comprometendo sua capacidade de tomar decisões racionais. Ele fica preocupado em buscar a substância e que não falte para sentir seus efeitos e evitar a tensão que o corpo e o cérebro possam criar novamente. As adaptações neurobiológicas nesta fase envolvem principalmente o córtex pré-frontal, que é a parte para funções como controle de impulsos e tomada de decisões. A exposição constante a estas substâncias pode levar a uma diminuição na atividade do córtex pré-frontal, resultando em controle cognitivo reduzido. Ou seja, o indivíduo não consegue e não tem a capacidade de controle sobre as decisões e a disfunção contribui para decisões impulsivas e a incapacidade de resistir aos desejos pela substância, mesmo diante de consequências negativas.

O mecanismo de reforço negativo é central para a manutenção da dependência de substâncias. Esse processo envolve o alívio de estímulos aversivos, como os intensos sintomas de abstinência, que aumentam a busca pela substância. Durante a abstinência, o indivíduo enfrenta sintomas desagradáveis, incluindo ansiedade e desconforto físico, devido à diminuição da atividade nos circuitos de recompensa e ao aumento da ativação dos sistemas de estresse. A necessidade de evitar esses estados emocionais negativos torna-se um motivador poderoso para o uso contínuo da substância, se no início ele buscava a substância para ter prazer, atualmente ele passa a buscar a substância para evitar a dor da abstinência.

Os avanços na pesquisa sobre dependência têm demonstrado novas abordagens interessantes para entender e tratar essas condições complexas. As técnicas de imagem cerebral, como a ressonância magnética funcional (fMRI), têm revelado como diferentes áreas do cérebro se comunicam durante o uso de substâncias e a abstinência. Essas técnicas permitem observar com uma maior precisão as mudanças na atividade cerebral, oferecendo um entendimento sobre como os circuitos cerebrais envolvidos na dependência se comportam. Outras abordagens como a ontogenéticas e a quimiogenéticas têm permitido a manipulação da atividade neuronal de maneira precisa e identificando os papéis de cada circuito cerebral na regulação dos comportamentos dos indivíduos que sofrem de vícios e abstinência. E essas descobertas podem desenvolver algumas terapias muito eficazes para controlar os vícios e também ajudar a reduzir as recaídas.

Os marcadores neuronais também podem revelar predisposições individuais em dependências e o contribuir em tratamentos seja eles farmacológicos como medicamentos que possam gerenciar neurotransmissores específicos para o estresse durante a abstinência. E claro, a terapias comportamentais se tornam fundamentais com essas combinações farmacológicas para poder ter uma melhor eficácia no tratamento. Muitas outras estratégias podem ser usadas também em cada indivíduo para completar o tratamento.

Considerações finais

A neurobiologia tem avançado consideravelmente na identificação de cada parte do cérebro responsável pelo vício e abstinência, e nas mudanças neurobiológicas que neles ocorrem e também oferecendo uma base para estratégias de tratamento. Com os avanços da tecnologia os tratamentos estão cada dia mais melhores e isso tem se refletido em pacientes atualmente, mas ainda existem muitos desafios para serem enfrentados tanto por parte dos profissionais da área de saúde como para indivíduos que sofrem por vícios. Na política pública de saúde é muito importante não deixar uma epidemia de vícios tomar conta de um país isso pode se tornar um grande problema social para o país. 

Os hábitos fazem parte do nosso cotidiano, temos hábitos que às vezes podem ser viciantes, e nosso cérebro sempre nos lembra desses hábitos, e muitas vezes é sempre bom entender como o cérebro funciona diante desses sutis vícios que temos.


Referências

A neurobiologia do vício: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6767400/

Optogenética: https://pt.wikipedia.org/wiki/Optogen%C3%A9tica

Quimiogenética: https://en.wikipedia.org/wiki/Chemogenetics

 

 

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